Como se formam os futuros cientistas?

Como se cativam os estudantes do Ensino Superior para a ciência? Como se identificam aqueles que têm mais “queda” para a investigação e que poderão ser os futuros cientistas do país, responsáveis por descobertas e avanços significativos nas mais variadas áreas da ciência?

A propósito do Dia Mundial da Ciência, que se assinalou a 24 de novembro, e cujo objetivo, entre outros, é instigar o gosto pela ciência nas gerações mais novas, perguntámos a docentes do Politécnico de Coimbra em diversas áreas que estratégias usam na sala de aula para incentivar o trabalho de investigação dos estudantes.

 

Docente ESAC Daniela Santos
Docente ESTeSC Sofia Viana

 

Docente ESEC Ana Coelho

 

Docente ESTGOH Ricardo Ramos
Docente ISCAC Isabel Pedrosa
Docente ISEC Susete Fetal

 

Para Ana Coelho, docente na ESEC na área da Formação de Educadores e Professores, promover o interesse e o envolvimento dos estudantes em processos de investigação e de construção de conhecimento é um aspeto central do processo de profissionalização de futuros educadores e professores, já que se supõe que a capacidade de analisar e interpretar as situações educativas, tomar decisões e avaliar os seus efeitos deverá ser uma dimensão central da sua ação profissional futura. “Um perfil de formação com estas características implica necessariamente o recurso à investigação como estratégia de formação, envolvendo os estudantes desde logo em processos de análise e interpretação de trabalhos de divulgação científica (ex: análise de artigos, de relatórios de projetos), mas também criando oportunidades para o seu envolvimento direto em processos de análise da realidade e das suas próprias práticas, principal finalidade do relatório final que os estudantes apresentam no final do seu curso de mestrado”, refere. Uma outra estratégia importante, acrescenta, consiste ainda em dar aos estudantes oportunidade para se envolverem em projetos em curso na sua área de formação. A docente dá o exemplo do projeto BEIN (Teachers Competencies for Social Inclusion of Migrants and Refugees in Early Childhood Education), o qual, tendo como objetivo a construção de um curso em blended learning, inclui dois programas de estudos intensivos, através dos quais estudantes das sete instituições europeias envolvidas no projeto participam no processo de construção e de validação de materiais que integrarão o curso.

Isabel Pedrosa, docente do ISCAC – IPC na área de Tecnologias de Informação, defende que se deve começar a cativar para a ciência desde o primeiro momento: no 1.º ano e no 1.º semestre de Licenciatura. “Promovo a elaboração de um trabalho de investigação em grupo sobre temas à escolha, permitindo a possibilidade de escolha de outros tópicos, desde que aprovados por mim”, refere a docente, dando o exemplo de um grupo de alunos que escolheram um tema que despertou tanto interesse que foi posteriormente apresentado e discutido numa conferência. “Ver o contributo da investigação aplicada, conhecer investigadores e empreendedores jovens e as suas histórias é algo que motiva os alunos de Licenciatura, já que se conseguem imaginar nesse papel. Interligar as ideias e os alunos entre as diversas unidades curriculares (UC) é uma oportunidade que não se pode perder”, assegura. No caso dos mestrados, os alunos já chegam com a motivação para investigar. “Na UC de Business Intelligence (BI) proponho a elaboração de um artigo científico sobre um tema que possa cruzar BI com o que pretendem realizar no 2.º ano do Mestrado, com a possibilidade de os melhores serem submetidos a uma conferência internacional com double blind review e indexação Scopus e ISI. Tal permite que os alunos comecem a planear o 2.º ano, invistam tempo na pesquisa de um tema e que antevejam que o seu trabalho pode ter frutos mais imediatos, possibilitando uma experiência académica e científica que, para a maioria, é a 1.ª vez que sucede”, conta, realçando o entusiamo dos alunos no contacto com outros investigadores e mesmo com estudantes de outros anos e de outras escolas em seminários, por exemplo.

 

 

Conciliar paixão e utilidade para o dia-a-dia

Daniela Santos, docente no Departamento de Ciências Agrárias e Tecnologias da ESAC, área de Ambiente, acredita que o mais eficaz é “conseguirmos transmitir aos alunos a paixão que sentimos pela mesma, contagiá-los com essa paixão”. O que se desenvolve nas aulas através da atualização dos conteúdos, da indicação de referências de artigos nas áreas de investigação associadas aos temas desenvolvidos nas respetivas unidades curriculares, dando a conhecer os resultados obtidos nos projetos de investigação em que estamos envolvidos, por cada tema referir o que se perspetiva em termos de desenvolvimentos futuros, novas descobertas e soluções possíveis, transmitindo o potencial que a região e/ou o país detém nas várias componentes que possam ser referidas durante as aulas, são, na generalidade, as ferramentas utilizadas para “captar a atenção e ir despertando maior curiosidade” pelos próprios conteúdos das unidades curriculares, mas também a vontade crescente de aprofundarem determinados assuntos e logo que surjam oportunidades de colaboração em projetos, proporem-se para tal. “Sem dúvida que o tempo e espaço das aulas deve ser sempre muito bem trabalhado e aproveitado para despertar o gosto dos estudantes pelas temáticas”, refere a docente da ESAC, explicando como é o estado da arte no respetivo tema, “para se perceber o quão poderá ainda evoluir e posicionarmo-nos quanto ao contributo que poderemos dar” com os meios e condições que temos. Na área de Solos e Fertilidade, que a docente desenvolve, a abordagem da sustentabilidade dos sistemas de produção agrícola e a reciclagem dos materiais classificados como subprodutos, numa lógica de Economia Circular, são temas para as quais os estudantes estão cada vez mais despertos e para os quais é mais fácil despertar o interesse.

Na dinâmica em sala de aula, Ricardo Ramos, docente da ESTGOH na área do Marketing, sublinha a necessidade de mostrar a ligação ao mundo real e a utilidade para a vida quotidiana. “Para desenvolver a curiosidade pela ciência, é essencial entender a sua relevância para o dia-a-dia”, afirma, explicando que os estudantes, ao entenderem a mais-valia de participar em experimentos com o objetivo de melhorar as suas competências, desenvolvem esforços sustentados que promovem mudanças conceptuais. “A aplicação de estratégias de aprendizagem ativa através de trabalhos práticos em contexto real poderá ser a melhor forma de estimular o interesse pela ciência”, afirma, realçando a importância de colaborar com a indústria. “Os alunos, cientes de que o seu esforço contribui para algo tangível, sentem-se intrinsecamente motivados a desenvolver as tarefas propostas, compreender a mais-valia de tais tarefas para o seu desenvolvimento pessoal e, consequentemente, a desenvolver a curiosidade pela ciência”, assegura.

 

A importância de fazer perguntas e de trabalhar em rede

Sofia Viana, diretora da Unidade de Investigação Aplicada da ESTeSC, considera que ensinar o aluno a interrogar e a adotar uma posição crítica e reflexiva, por exemplo através de estratégias centradas na Aprendizagem Baseada na Resolução de Problemas, é “vital” no desenvolvimento do raciocínio científico. “O envolvimento dos estudantes em atividades de investigação desde os primeiros anos dos cursos, por exemplo através da criação de espaços que fomentem a construção colaborativa de conhecimento, permite exponenciar a relação entre conteúdos e processos, facilitando o pensamento criativo e a aquisição de competências processuais que mais facilmente se transpõem, à posteriori, para outros contextos das suas vidas científicas, sociais e culturais”, refere. A docente realça também o facto de o ensino por investigação fomentar a educação para um desenvolvimento sustentável, em estreita articulação com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2030, através de contextos interativos e centrados no aluno. “O uso de processos da investigação científica como metodologia de ensino, enfatizando a interrogação, recolha de evidências, interpretação de argumentos científicos e adoção de ferramentas de comunicação para pares e sociedade civil, culmina na motivação do aluno para ser uma parte ativa na sua formação, transformando o modo de pensar e agir. O processo de descoberta de conhecimento é assim exigente, mas grato, capacitando alunos e docentes na aquisição de novas competências, valores e atitudes que alimentam as sociedades sustentáveis”, afirma.

Também Susete Fetal, docente do ISEC na área da Física, salienta a importância do ensino da ciência como base para o futuro do estudante. “A ciência é o motor do desenvolvimento e o método científico a receita fiável para o progresso da humanidade”, diz, acrescentando que, num mundo cada vez mais global, a ciência faz-se em rede, com equipas multidisciplinares. “A engenharia é a arte de aplicação da ciência na resolução de problemas da humanidade”, refere a docente e explica que, no ISEC, ao ensinar física, “pretendo que os alunos aprendam os conteúdos programáticos, mas também que aprendam a observar as leis e os problemas, a pensar com espírito crítico, a formular hipóteses, a ir ao laboratório experimentar (ensaiar, falhar, tentar de novo, conseguir) e retirar conclusões sobre os dados adquiridos, a argumentar os resultados com os colegas”. A docente acredita que despertar o interesse na física será “uma semente que germinará nas várias Unidades Curriculares ao longo do curso e que florescerá no desenvolvimento de ideias, de projetos e de trabalhos de investigação na área da engenharia”.

 

 

In Jornal do IPC n.º 20