Casa do Bispo

A Casa do Bispo é o edifício que acolhe atualmente parte dos Serviços Centrais do Politécnico de Coimbra. Uma intervenção realizada nos últimos anos permitiu recuperar um edifício histórico, classificado como Imóvel de Interesse Público, devolvendo a dignidade a um espaço que estava abandonado e trazendo a vida de volta às salas e corredores do mesmo. Permitiu também dotar o Politécnico de Coimbra de um espaço que se assume como “cartão de boas vindas” da instituição, dignificando os seus elementos e a própria cidade de Coimbra.

    

   

 

A Casa do Bispo faz parte do conjunto arquitetónico da Quinta do Bispo, localizado em São Martinho do Bispo, que é constituído também pela Adega, pela Vinagreira, pelo Hangar, pelo Apiário, pela Sirgaria e pelo Chalé do Bispo. Trata-se de um conjunto arquitetónico com um passado histórico de forte interesse cultural para toda a comunidade.

Ao longo dos anos, os edifícios acima referidos foram sofrendo diversas intervenções que desvirtuaram as suas características originais, nomeadamente a nível de espaços interiores e de arranjo exterior. Pretendeu-se, assim, reabilitar o existente, respeitando as características originais dos edifícios e todas as normas regulamentares em vigor, conjugando o passado a um futuro com uma linguagem mais contemporânea, no que diz respeito às soluções estéticas, às técnicas construtivas e materiais aplicados.

Numa primeira fase, realizou-se a reabilitação da Casa do Bispo e procedeu-se ao arranjo urbanístico dos seus pátios e do espaço que contorna o edifício e foi criado um estacionamento de apoio. A obra foi concluída no final de outubro de 2023, encontrando-se este edifício em pleno funcionamento, acolhendo parte dos Serviços Centrais, um auditório com 36 lugares e uma sala de reuniões.

Prevê-se, numa segunda fase, a reabilitação dos edifícios da Adega, da Vinagreira, a construção de um edifício de apoio e de três volumes, dois técnicos e um que se define como espaço exterior coberto de receção aos dois edifícios principais e uma intervenção mais profunda a nível de arranjo dos espaços exteriores, nomeadamente da zona de entrada principal com a praça de chegada, parque de estacionamento e escadaria de acesso ao conjunto arquitetónico e da alameda e dos seus espelhos de água com a criação de um percurso pedonal, tirando partido da paisagem singular da Escola Superior Agrária, onde o conjunto arquitetónico está situado.

Recuperação da Casa do Bispo

Introdução histórica

 

A Quinta do Bispo, onde atualmente se encontra instalada a Escola Superior Agrária do Politécnico de Coimbra, foi, em 1888, a Escola de Regentes Agrícolas de Coimbra que nasceu em terrenos pertencentes a vários proprietários, do qual o núcleo central e principal era constituído pela Quinta de S. Martinho ou Quinta do Bispo, pertencente ao Episcopado de Coimbra. Entre o final do século XVI e o início do século XVII, foi utilizada como Casa de Campo pelos bispos de Coimbra, sendo local de descanso e recolhimento do Bispo e também do alto clero coimbrão, e devendo a essa razão a designação de Quinta do Bispo.

Uma das figuras importantes ligadas à história deste espaço foi D. Afonso Castelo Branco, prelado do Bispado de Coimbra de 1583 a 1615 e Doutor em Teologia pela Universidade de Coimbra. D. Afonso Castelo Branco nasceu em Santiago do Cacém em 1522 e faleceu na cidade universitária a 12 de maio de 1615, encontrando-se sepultado na Sé Velha de Coimbra. Era filho ilegítimo de D. António de Castelo Branco, deão da Capela Real, e neto dos primeiros condes de Vila Nova de Portimão. D. Afonso Castelo Branco foi nomeado vice-rei de Portugal por Filipe II em 1603 e assumiu-se como mecenas para a cidade de Coimbra, na medida em que contribuiu para a reconstrução do Paço Episcopal, do convento de Santo Agostinho (1593), o reerguer da Igreja dos Jesuítas (1598), hoje Sé Nova, fundou o Convento dos Carmelitas Descalços (1606), patrocinou a construção do coro e recuperação do Mosteiro de Celas, além de ter colaborado em obras civis como estradas, hospitais e Misericórdia de Coimbra. O mesmo terá sido responsável pela construção de algumas das instalações ainda existentes na Quinta do Bispo.

A construção da Quinta data possivelmente dos finais do século XVI, princípios do século XVII, 1583-1615, sendo anterior ao Jardim de Santa Cruz de Coimbra.

Os bispos sucessores também tiveram interesse por esta residência de campo. O sucessor imediato a D. Afonso Castelo Branco foi D. Afonso Furtado de Mendonça (bispo de 1615 a 1618) que terá preparado ali a sua entrada em Coimbra. Outro sucessor que deixou a sua marca na história deste espaço foi o bispo D. João Mendes Távora, prelado no período entre 1638 e 1646, data provável do brasão episcopal que se pode observar ainda hoje no portão do caminho de acesso ao centro do conjunto arquitetónico da casa do Bispo. Este escudo terá sido picado durante o governo de Marquês de Pombal. Por sentença de 12 de janeiro de 1759, foram-lhe picadas as armas no epitáfio da sepultura por pertencer à família dos Távoras.

 

 

Outros prelados se sucederam, havendo registo que alguns dedicaram tempo e deixaram a sua marca na Quinta do Bispo: D. João de Melo, bispo de 1684 e 1704, D. Miguel da Anunciação, bispo de 1741 a 1779, D. Francisco de Lemos de Faria Pereira Coutinho, bispo de 1779 a 1822, entre outros.

No ano de 1887, o Governo Português expropria a Quinta de S. Martinho à Mitra de Coimbra para, em conjunto com outras terras expropriadas a particulares, construir uma Escola de Agricultura, a Escola Prática Central de Agricultura, a primeira antecessora da atual ESAC-IPC. Desde então, a Casa do Bispo foi servindo de alojamento a professores, alunos e funcionários e as suas dependências agrícolas foram tendo vários usos até ao seu progressivo abandono.

 

A Casa do Bispo

 

Feita esta breve síntese da história da Quinta do Bispo, regressemos, então, à intervenção efetuada na Casa do Bispo. Este edifício remonta ao século XVII e a sua morfologia inicial revelava dois corpos que abriam para um pátio, destacando-se ainda um varandim de colunas de pedra. Composta por dois pisos, a Casa continha um pequeno claustro intimista, a partir do qual se tinha acesso à maioria dos seus espaços interiores.

 

   

   

 

O projeto de intervenção recentemente realizado pretendeu “limpar” o edifício de elementos que apenas o descaracterizavam, proporcionando uma leitura clara, harmoniosa e uniforme de todo o conjunto, conjugando de forma elegante e funcional o antigo e o novo, a história e a modernidade.

Nos espaços exteriores, a intervenção efetuou a melhoria nos acessos, desde o campus das escolas ao conjunto edificado, designado Alameda, bem como a construção de dois parques de estacionamento automóvel e a definição de uma entrada principal, mais direta, desde a via pública. Teve-se em atenção a preservação da permeabilidade do solo, respeitando assim o índice de impermeabilização.

Na área exterior assumem-se dois eixos de entrada no edifício principal. O eixo Alameda-Brasão, que interliga a Alameda (um dos acessos rodoviários), com os seus tanques de água e a sua linha de árvores bem definida, com a criação de caminhos pedonais à Casa do Bispo, atravessando o grande pátio onde se manifesta o pórtico com o seu brasão, voltando a assumir um papel central, com a reabilitação do seu portão e o rebaixamento da via pública, interligando assim à zona de estacionamento criada em terreno contíguo. É ainda percetível um outro eixo, perpendicular ao primeiro, que liga o portão principal do conjunto, à entrada principal da Casa e que se manifesta predominantemente pedonal. O primeiro possui um enquadramento mais natural, o segundo um mais arquitetónico pelo atravessamento dos seus pátios e edifícios.

A distribuição dos espaços interiores foi definida tendo por base a vontade de concentrar todos os Serviços da Presidência num único espaço físico, a funcionalidade programática e o fácil acesso a todas as dependências. É possível verificar que no piso 0 se reúnem os espaços de carácter mais público, como a receção, o auditório, o claustro central agora transformado em sala de entrada e convívio, a sala de reuniões, as instalações sanitárias, a copa e as instalações técnicas. No piso 1, concentram-se os gabinetes, sala de reuniões de apoio, instalações sanitárias e salas de apoio.

A proposta teve por base as pré-existências e a caracterização física do edifício, intervindo na demolição das divisões interiores, fruto das múltiplas ocupações que o edifício foi sofrendo, na reabilitação dos revestimentos exteriores, preservando-se a sua estrutura e acabamento e na substituição da cobertura, aplicando ainda uma subcamada que permitiu isolar melhor o edifício. Também se interveio nas caixilharias, tornando-as termicamente mais eficazes, preservando, no entanto, as cantarias existentes.

De um modo geral, foram preservadas as fachadas, a estrutura principal em alvenaria de pedra e todos os elementos decorativos originais, incluindo cantarias dos vãos, claustro interior, escadarias exteriores e algumas inscrições de siglas gravadas por pedreiros. As alterações prendem-se essencialmente com as divisões interiores e a organização do espaço para albergar as novas funções.

 

   

    

 

Um dos pontos marcantes do projeto da Casa do Bispo foi a reabilitação do seu claustro interior, interpretado como uma praça coberta de ligação de todas as valências que o edifício oferece. A sua luz natural possibilita a sensação de se estar num espaço aberto, de distribuição e de convívio, uma “sala de estar”. Ao lado da histórica alvenaria de pedra natural, foi adicionado um piso em soalho de carvalho conjugado com novos elementos estruturais pintados de branco, tais como serralharias, carpintarias, escadas, paredes e tetos. Conjugam-se assim história, autenticidade e contemporaneidade.

O processo de obra permitiu identificar indícios das diferentes adaptações e reestruturações que o edifício sofreu ao longo dos tempos, podendo observar-se três níveis correspondentes a intervenções em diferentes épocas. O primeiro nível corresponde à construção inicial do edifício, entre o final do século XVI e início do século XVII. O segundo nível corresponderá presumivelmente ao século XVIII, 70 centímetros acima da cota inicial, e o terceiro nível de intervenção já entre o nível do século XIX e o início do século XX, 50 centímetros acima da cota anterior. Estes diferentes níveis de intervenção poderão estar associados a necessidades de adaptação às condições do terreno da Quinta do Bispo que, dada a proximidade do ribeiro de São Martinho, estava sujeito a inundações frequentes.

Nos anos 70 do século passado, a casa sofreu obras que provocaram a sua descaracterização. Especialmente no interior, desapareceram tetos e pavimentos antigos de madeira, pedras e colunas do antigo claustro. Também neste período foram retirados os antigos azulejos desenhados com edifícios e paisagens do século XVIII que se encontravam a revestir as paredes até cerca de um metro de altura.

 

  

 

 

Já em 31 de janeiro de 1964, num ofício da Secção dos Serviços dos Monumentos Nacionais do Ministério das Obras Públicas, a propósito da criação das novas instalações da Escola de Regentes Agrícolas e da possível demolição do edifício da Casa do Bispo, é destacado como motivo de interesse a existência dos lambris com azulejos e sugerida a retirada dos mesmos para um museu nacional.

A maior parte destes azulejos foram guardados e catalogados e estão a ser alvo de uma intervenção gradual, num trabalho assumidamente meticuloso e moroso de reconstrução dos painéis anteriormente existentes. O objetivo é poder, no futuro, reconstituir estes painéis e colocá-los em exposição na Casa do Bispo em lugar de destaque, devolvendo-lhes, assim, importância e dignidade.

 

   

   

 

Projetar o futuro

 

O futuro do conjunto patrimonial da Quinta do Bispo e dos seus restantes elementos está a ser preparado, estando previstas intervenções que permitem reabilitar os edifícios e proporcionar novas valências ao Politécnico de Coimbra.

No edifício da Adega, propõe-se a implantação de uma grande Sala de Atos e no edifício da Vinagreira está previsto um espaço destinado a exposições e apoio de eventos. A Adega e a Vinagreira serão interligadas por um corpo exterior, coberto, ao qual será atribuída uma estética contemporânea.

Pela necessidade de interligar, interiormente, a Casa do Bispo ao edifício da Adega, com a sua Sala de Atos, e ao da Vinagreira, com os seus espaços de exposições, foi já criado um corpo que permite a ligação vertical entre todos os pisos. Este novo elemento, de linguagem contemporânea, procura integrar, de forma discreta, os edifícios existentes, através de umas escadas que “serpenteiam” ao longo dos diferentes pisos.

 

 

Fontes:

Reconversão de edifícios para sede da Presidência do Politécnico de Coimbra SC|IPC, Projeto de Arquitetura, outubro de 2019, Politécnico de Coimbra;

Relatório Prévio Quinta do Bispo, Versão 1.0, 06 de janeiro de 2021., DGPI | Departamento de Gestão do Património e Infraestruturas do IPC.

 

 

Ligação do escritor Luís de Camões à Quinta do Bispo

O Professor Adjunto na Escola Superior Agrária do Politécnico de Coimbra, Pedro Bingre do Amaral, realizou uma investigação académica sobre a ligação do escritor Luís de Camões à Quinta do Bispo.

Para saber mais sobre este tema, propõe-se a leitura do texto “CAMÕES EM SÃO MARTINHO DO BISPO? — indícios e conjecturas”, publicado no livro comemorativo dos 45 anos do Politécnico de Coimbra, que pode ler aqui.