Dia Internacional das Mulheres e Raparigas na Ciência
“A existência de role models é relevante para a mudança”
A propósito do Dia Internacional das Mulheres e Raparigas na Ciência, que se celebra a 11 de fevereiro, o Jornal do IPC conversou com a docente do ISCAC-IPC Isabel Pedrosa sobre a evolução da participação das mulheres na Ciência nos campos académicos e profissionais.
1 – Ainda vivemos numa sociedade em que as mulheres escolhem cursos de ciências sociais e os homens de ciências exatas?
Embora não seja tão expressivo como era logo no pós-25 de abril, até porque hoje a diversidade de opções é muito maior, não existiu a evolução que gostaríamos, em especial, não sucedeu um aumento de mulheres na área das ciências mais relacionadas com tecnologia. Quando começaram a surgir licenciaturas em engenharia informática e matemática aplicada às ciências da computação, essas opções eram procuradas por raparigas quase na mesma proporção dos rapazes, o que hoje em dia não se verifica, sendo que o número vem a decrescer desde os anos 90. Mesmo as raparigas que frequentam cursos nesta área, e começam por trabalhar na área, vão abandonando esta área ao fim de algum tempo, ou optam por funções mais “conservadoras” dentro da área, por exemplo, ensino e formação.
Esses números baixos já se estão também a verificar na força de trabalho em áreas novas, como Inteligência Artificial, Cibersegurança e Ciência de Dados.
2 – Que alterações mais significativas ocorreram (ou não) na última década no acesso das mulheres a atividades ligadas à ciência, nomeadamente académicas e profissionais?
Houve melhorias significativas em todos os contextos onde passaram a existir quotas ou sempre que as políticas para a igualdade de género obrigaram a que as mulheres passassem a ser incluídas. Por exemplo, há linhas de financiamento de projetos que exigem que as ações de disseminação dos resultados prevejam igualdade relativamente ao painel de oradores. Algumas empresas também se posicionaram quanto a este tema: o BNP Paribas não permite que os seus colaboradores participem em painéis onde a igualdade de género não esteja assegurada.
A União Europeia, através da sua Estratégia Europeia para a igualdade de género 20-25, refere que o Programa Horizonte Europa passa a obrigar os candidatos a entregar um plano para a igualdade de género e que serão concedidos incentivos para promover o aumento de startups lideradas por mulheres.
Os planos para a igualdade de género também estão a ter influência nas empresas, não apenas na área da ciência. Há hoje mais investigação e relatórios produzidos sobre este tema e muitas Universidades têm já planos para a Igualdade de Género.
O número de mulheres à frente de startups não melhorou, muito menos se forem startups de tecnologia. E o número de mulheres em posições de topo também não tem sofrido melhorias.
O facto de termos hoje, e pela primeira vez, uma mulher à frente do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, a Professora Elvira Fortunato, alguém que fez todo o seu percurso dedicado à ciência e com enorme destaque internacional, tendo ganho inúmeras bolsas e distinções, faz-me pensar que esta Ministra já reunia, há muito, o CV mais que adequado para ocupar este lugar.
3 – Como se classifica Portugal em relação ao resto da União Europeia (ou mundial) nestas matérias?
Os números em Portugal estão próximos dos do resto da Europa, quer nos cursos e profissões relacionadas com a ciência quer, mais especificamente, na área das tecnologias, embora muitos cientistas, homens e mulheres, tenham optado por trabalhar nestas áreas no estrangeiro, quer como investigadores, quer integrados em empresas, onde têm mais reconhecimento.
4 – Que tipo de ações considera que podem ser feitas para cativar e incentivar as mulheres para as ciências exatas?
As ações que têm impacto imediato são as que estão relacionadas com legislação e políticas públicas associadas ao tema, tais como a imposição de quotas ou a obrigação de criação de planos para a igualdade de género. Essas medidas, ao trazerem mais mulheres para posições de destaque, têm também influência nas escolhas das raparigas nas suas opções para um curso superior.
Outras medidas podem ter impacto diluído no tempo: por exemplo, uma cientista, entendendo que as mulheres na ciência tinham pouca divulgação, criou páginas para divulgar o trabalho de mais de 1000 mulheres “esquecidas” pela ciência.
Os dias temáticos ajudam a dar visibilidade: Girls in ICT (4.ª quinta-feira de abril) e Dia Internacional da Participação da Mulher na Ciência (15 de abril).
A existência de role models é relevante para a mudança: para além das pessoas que conhecemos e que percecionamos que têm sucesso na área, filmes e séries ajudam a promover profissões e a torná-las apelativas. Um exemplo é a ciência forense, com as séries CSI onde as mulheres ocupavam posições de liderança. Os cursos de criminologia tornaram-se apelativos e procurados por raparigas. O filme “Hiden figures” (“Elementos Secretos”) conta a história das primeiras programadoras da NASA, cuja equipa incluía diversas mulheres negras. O “Jogo da Imitação”, sobre Alan Turing e o seu sucesso na área da criptografia, menciona também a sua namorada Joane Clarke, também cientista e membro da sua equipa, tendo o seu papel sido praticamente ignorado.
Há ainda muito a fazer para promover a presença das mulheres nas áreas STEM (Ciência, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Se nos pedirem para darmos um nome de uma mulher que se tenha destacado na ciência, talvez Marie Curie seja o mais unânime. Porém, não devia ser necessário ganhar 2 prémios Nobel para ser recordada.
ISABEL PEDROSA
Isabel Pedrosa é, desde 2019, Embaixadora Nacional #SheLeadsTech do ISACA Lisbon Chapter, programa de promoção da igualdade de género nas profissões de tecnologia.
É Engenheira Informática e Doutorada em Ciências e Tecnologias da Informação. Investiga na área de Gender Gap em Tecnologias.
ALERTAR PARA A DESIGUALDADE DE GÉNERO
O Dia Internacional das Mulheres e Raparigas na Ciência celebra-se a 11 de fevereiro e é uma iniciativa criada em 2015, pela Assembleia Geral das Nações Unidas, como forma de alertar para a desigualdade de género que penaliza as oportunidades e carreiras das mulheres nos domínios da ciência, da tecnologia e da inovação.