Entrevista a Ana Paula Pais – “A aposta em formação em Turismo é uma aposta estratégica”

Ana Paula Pais, diretora de Formação do Turismo de Portugal, aborda as principais problemáticas da formação em Turismo em Portugal e explica o trabalho feito na adequação e renovação da oferta formativa.

“Num setor em que a evolução digital e a mudança são constantes, a qualificação é essencial”, afirma Ana Paula Pais

“Num setor em que a evolução digital e a mudança são constantes, a qualificação é essencial”, afirma Ana Paula Pais

Sendo Portugal um país onde o setor do Turismo tem um papel fundamental na economia, é comum ouvirmos falar em escassez de recursos humanos nesta área. Temos poucas pessoas qualificadas disponíveis nesta área?

Sim, precisamos de mais pessoas qualificadas disponíveis. Pessoas que assegurem a necessária qualidade em diversas áreas do turismo.

Há uma necessidade efetiva de mais pessoas sobretudo nas áreas do serviço (restauração, housekeeping) mas também nas áreas comerciais e de marketing, na animação turística, na estruturação de produto. Para termos um serviço de qualidade, que assegure os níveis de exigência correspondentes à tipologia de turismo que queremos ter no país, é fundamental termos pessoas qualificadas que adicionem valor ao cliente e às empresas, que fidelizem, que inovem. Num setor em que a evolução digital e a mudança são constantes, a qualificação é essencial.

 

Há um trabalho a realizar na adequação e renovação da formação por parte das escolas? Que trabalho tem feito o Turismo de Portugal na área da formação para responder a esta situação?

Sem dúvida, as Escolas têm uma responsabilidade acrescida na adequação e renovação das ofertas formativas, na procura e implementação de metodologias ajustadas aos grandes desafios do setor, procurando não apenas adequar os cursos e a formação às exigências futuras das profissões do setor, contribuindo para o desenvolvimento dos necessários conhecimentos e competências das pessoas que qualificam, mas também investigar e implementar os melhores modelos de qualificação.

Hoje os tradicionais modelos de formação escolar, que requerem tempo e dedicação permanente, não respondem às necessidades do setor.

A velocidade, o digital, a mudança nos hábitos de consumo, a evolução do perfil do turista, as questões ambientais, a sustentabilidade, a responsabilidade que o turismo tem que ter na reconstrução das sociedades, são temas centrais na remodelação das ofertas formativas.

No Turismo de Portugal, sendo nós a autoridade turística nacional, temos ainda uma responsabilidade acrescida.

O Turismo de Portugal procedeu a uma profunda revisão curricular dos cursos de formação inicial ou nível da especialização tecnológica, com alargada auscultação ao mercado, com os seguintes objetivos: Maior adequação dos planos de estudos às necessidades do setor; Design Curricular adaptado a Novos Perfis | Novas Competências; Engenharia da formação assente em competências; Reforço de Competências Pessoais e Sociais (soft skills; desenvolvimento pessoal e criativo) e inovação e atualização das competências técnicas; Reforço competências de gestão; Línguas e marketing; Reforço do trabalho por projeto e empreendedorismo.

Neste momento, a oferta formativa responde às principais necessidades de qualificação, nos segmentos da restauração, alojamento e turismo, designadamente: cozinha, pastelaria, restaurante, bar, alojamento hoteleiro, turismo cultural e animação turística, estando a desenvolver trabalhos para responder a outros segmentos de atividade.

Em 2018, o Turismo de Portugal lançou um Diagnóstico de Necessidades de Formação Contínua tendo em vista conhecer as necessidades de formação e novas competências para o setor do Turismo. Foram realizadas 22 reuniões de focus-group a nível nacional e regional, com parceiros do turismo, do emprego, educação/ formação, parceiros sociais, associações empresariais e autarquias, envolvendo 114 entidades. Este instrumento contribui para a requalificação das pessoas que trabalham no setor do turismo ou que interagem com turistas, como Empresários, Ativos, Desempregados e Licenciados de outros setores, em áreas consideradas prioritárias como: Soft Skills; Línguas; Comunicação; Formação de Empresários para micro/pequenas e médias empresas; Tecnologias; Marketing Digital; Informação Turística; Cultura/Património; Novas Tendências; Eventos; Produtos Turísticos (golfe, enoturismo; religioso, turismo de luxo, entre outros).

 

E por parte das empresas o que pode ser feito?

As empresas têm aqui um papel essencial, criando por um lado um ambiente favorável à qualificação contínua das suas equipas, e por outro privilegiando o recrutamento de pessoas qualificadas nos novos recrutamentos, valorizando-as em relação às não qualificadas. Têm que estimular as suas pessoas para a aprendizagem contínua, recorrendo a metodologias complementares entre a formação on-line, a formação presencial, a formação no posto de trabalho, a formação pelos pares, a realização de pequenos estágios e de mobilidade profissional. Simultaneamente, as pessoas, os colaboradores, têm que se responsabilizar pela sua própria requalificação e atualização. Cada um de nós tem que ser o centro da sua própria renovação/ atualização profissional.

A mudança constante, a evolução tecnológica, o digital, a multiculturalidade crescente nas nossas sociedades, criam desafios de aprendizagem constante nas equipas, que só com um compromisso partilhado entre as empresas e os indivíduos se conseguirão concretizar com êxito.

Uma outra nota, não menos importante para o papel da escola no envolvimento das empresas nesta mudança: pela sua missão, a escola deve ser o motor deste envolvimento constante das empresas, criando novas metodologias de ensino, encurtando e focando a formação, incorporando inovação de forma permanente, diversificando os meios e os recursos de suporte à formação.

 

Quais são as profissões com mais e menos procura na área do Turismo? E quais os motivos?

Embora não tenhamos dados reais sobre estas questões (estamos precisamente a estruturar um estudo para qualificar e quantificar estas necessidades), temos um conjunto de evidências, sobretudo pelas inúmeras solicitações que vamos tendo por parte dos empresários, de que as profissões com maior procura são as da área do serviço ao cliente, destacando o serviço de mesa, e o serviço de andares, e aqui falamos de profissões como Empregados de Mesa, Barmans, Empregados de Andares, Governantas. Também na área da Cozinha, se verifica uma elevada procura, com especial relevo para a área da Pastelaria. Outras áreas com procura crescente são as áreas do marketing, da comunicação, a área comercial, da gestão de clientes. No subsetor do turismo verifica- se uma procura de guias intérpretes, com especial destaque para as línguas francesa e alemã, e de todas as profissões ligadas à animação turística, nas suas diversas vertentes (natureza, cultura, turismo ativo).

Apesar de estar a destacar estas áreas, que serão provavelmente as mais carenciadas de pessoas qualificadas, na verdade, assistimos a uma necessidade generalizada de profissionais em todas as áreas. Mas o que se verifica é que as profissões da área do serviço são as mais afetadas, havendo um grande desinteresse pelas pessoas qualificadas, mesmo nestas áreas, por aderir a estas funções.

Enquanto que nas outras áreas, apesar das dificuldades de recrutamento serem crescentes, assistimos à tradicional dinâmica da oferta e da procura, nas áreas do serviço é muito mais difícil encontrar pessoas disponíveis para estas profissões. E quais são os motivos? Bom, na minha opinião são um conjunto de razões: a remuneração, os horários, a falta de reconhecimento, a desvalorização destas funções, e talvez a mais expressiva, a meu ver, a falta de reconhecimento social destas profissões. Todas estas razões têm criado nos últimos anos um ciclo vicioso de desinteresse e falta de atratividade pelas profissões de serviço. É urgente repensar estas questões. Se queremos turismo de qualidade, centrado na experiência diferenciadora, promotor de sustentabilidade, um turismo que regenera os locais e as pessoas, temos que perceber que estas componentes do serviço são fundamentais. Há um caminho de revalorização destas profissões que é urgente conseguir.

Para a responsável, as ofertas que o IPC tem na área do turismo e gastronomia são “de elevada reconhecida qualidade”

Para a responsável, as ofertas que o IPC tem na área do turismo e gastronomia são “de elevada reconhecida qualidade”

A formação no ensino superior (Politécnicos e Universidades) pode ser complementar à formação na rede de escolas de hotelaria e turismo? Quais as principais diferenças?

Claro que sim. As nossas escolas são uma referência na formação profissional e na formação especializada, focando-se na preparação de profissionais para as áreas operacionais, de coordenação de equipas e de chefias intermédias, habilitados com um conjunto de competências técnicas, comunicacionais, de inovação e empreendedorismo e de gestão da operação, centrados na qualidade do serviço, na eficácia e na rentabilidade da operação. A meu ver, o ensino superior, politécnico e universitário, deve preparar profissionais para as funções do planeamento, da organização e estruturação do produto turístico, para a investigação, para o desenvolvimento empresarial, garantindo o desenvolvimento e a melhoria contínua da função empresarial, que assegurem a criação de novos produtos e novos serviços e suportem a evolução e as mudanças do setor.

As nossas Escolas têm ainda uma responsabilidade acrescida na formação contínua dos profissionais do setor, desenvolvendo um vasto conjunto de ações de formação que garantem uma permanente renovação e atualização de competências. Ao ensino superior cabe ainda o desafio da transferência de conhecimento, função vital para a adaptação das empresas à rápida transformação do setor, nomeadamente à transformação digital, aos novos métodos de trabalho, entre outros.

 

O Politécnico de Coimbra tem vindo a fazer uma aposta forte em oferecer oferta formativa na área do turismo, nomeadamente com os cursos de Turismo e de Gastronomia. Como vê esta estratégia face às necessidades do mercado?

A meu ver é uma estratégia não só certa, como necessária. A oferta em Gastronomia nasceu precisamente de sucessivos alertas do mercado sobre a necessidade de termos em Portugal uma oferta de qualificação de ensino superior numa área que é cada vez mais motivo de escolha do destino – a nossa gastronomia. Trata- se de um projeto a muitos níveis inovador – inovador nos conteúdos, inovador no envolvimento de escolas com competências distintas e complementares e inovador na metodologia de ensino -, juntando o ensino profissional ao ensino superior, juntando a investigação à prática, juntando a pesquisa à experimentação. Relativamente às ofertas que o IPC tem na área do Turismo, que tal como a Gastronomia são desenvolvidas pela ESEC, são ofertas com elevada e reconhecida qualidade, que na minha opinião respondem a necessidades concretas do mercado. Como já referi anteriormente, enfrentamos um contexto de carência de profissionais qualificados no turismo, e neste contexto a aposta em formação em turismo é uma aposta estratégica, havendo, a meu ver, espaço para o seu reforço, para o desenvolvimento de projetos inovadores que juntem entidades e níveis de formação, que apostem em novos métodos de ensino, que aproximem as escolas das empresas, contribuindo não só para a captação de talento, mas também, e sobretudo, para a retenção de talento.

 

As licenciaturas de Turismo e de Gastronomia do IPC proporcionam estágios aos alunos em empresas do setor. Qual o papel dos estágios no quadro da formação dos recém-licenciados?

Os estágios são essenciais para a interação dos recém-licenciados criando um espaço de cooperação escola-empresa que potencia a inserção profissional qualificada e adequada ao perfil de saída dos recém-diplomados. Através de um estágio, as empresas podem conhecer melhor as competências dos jovens, desenhar planos de estágio diversificados que permitam um conhecimento global da empresa baseados numa integração que abarque todos os departamentos e que dessa forma potencie o conhecimento mútuo entre o estagiário e a empresa.

A introdução de estágios nas licenciaturas é provavelmente das medidas mais eficazes de integração de licenciados nas empresas e o turismo não é exceção. Claro que é essencial que o estágio seja planeado de forma tripartida, entre a escola, a empresa e o aluno, que seja ajustado às expetativas do aluno e às necessidades da empresa, que permita ao aluno um verdadeiro conhecimento da empresa, que seja uma fase de consolidação de aprendizagens e de experimentação. Determinante para o sucesso destes estágios é a orientação por parte da empresa, a existência de avaliação e feedback, a criação de um espaço seguro de experimentação, que nutra a relação entre o estagiário e a empresa criando as condições para uma contratação consciente e (mais) duradoura.

 

Que balanço faz da parceria do IPC com o Turismo de Portugal?

Um balanço extremamente positivo. Para mim a parceria existente entre o Turismo de Portugal (iniciada através da nossa Escola de Hotelaria e Turismo de Coimbra) e o IPC (iniciada através da ESEC) é um exemplo da cooperação que pode (e deve) existir entre diferentes níveis de ensino. Uma parceria dinâmica, assente no respeito mútuo e na preservação da missão de cada instituição, que tem adicionado valor às duas instituições, que tem criado oportunidades de aprendizagem e valorização das suas equipas, e, sobretudo, que tem qualificado muitos novos profissionais e muitos empreendedores que têm dado um expressivo contributo para o contexto empresarial do turismo na região.

 

Considera que a criação de uma Escola Superior de Turismo seria uma mais-valia para o setor e para a região Centro?

Fazer mais formação será sempre uma mais-valia para o setor e para a região Centro, bem como para o país. E nesse sentido essa proposta poderá ser uma mais valia. Haverá seguramente que estudar e fazer um diagnóstico mais aprofundado da necessidade de robustecer a formação existente, considerando as ofertas dos operadores existentes, nomeadamente a nossa Escola, o IPC e a Universidade de Coimbra, e as necessidades futuras do setor, tanto a nível quantitativo como qualitativo.

Acredito que o modelo de cooperação que temos pode ser uma fonte de inspiração para o desenho de abordagens integradas, complementares e articuladas na disponibilização de mais e melhor (no sentido de mais adequada aos desafios futuros) formação.