Entrevista com José Redondo, conselheiro externo do Politécnico de Coimbra

O responsável do Licor Beirão, empresa que ajudou a consolidar com o seu pai, José Carranca Redondo, conta-nos um pouco do seu percurso e mostra-nos como o sentido de oportunidade e não ter medo de arriscar ajudaram a construir várias empresas e a deixar a sua marca em Portugal

Números do Licor Beirão
Trabalhadores: 70
Garrafas de Licor Beirão: 4 milhões por ano
Produção para exportação: 24%
Eventos de marketing: 3 mil por ano, entre feiras, festivais e outros eventos

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Garrafas de Licor Beirão: 4 milhões por ano
Produção para exportação: 24%
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No seu trajeto profissional que experiências o marcaram mais?

Eu penso que tenho alguma experiência nalgumas áreas, mas há uma coisa que me marcou muito, é que eu comecei muito novo a acompanhar o meu pai. Isto é histórico, o meu pai era um homem com uma visão do mundo absolutamente fenomenal. O Licor Beirão aqui na empresa até aos anos 80 era o negociozinho da minha mãe. Não representava mais que, digamos, 10% do volume de negócios que nós tínhamos de outras áreas, porque o meu pai, logo quando comprou a fábrica em 1940, começou a fazer publicidade a colar cartazes nas paredes e tornou-se na altura uma das maiores empresas de afixação de cartazes no país. Isto revela realmente o espírito dele, um produto que praticamente não se vendia, então sobretudo na segunda Grande Guerra Mundial, em que não havia dinheiro para batatas, para o arroz, não havia para nada, e ele desata a fazer publicidade ao licor.

 

Era um produto de luxo num contexto muito difícil.

Se as pessoas não têm dinheiro para batata como é que vão comprar um licor! E a partir daí fez a publicidade ao Licor Beirão, desenvolveu-a e começaram a aparecer outras empresas, nomeadamente a de afixação de cartazes. A partir daí também começaram a pôr-se outdoors. E aí teve muita sorte: às vezes quando saem leis que nós pensamos que à partida nos podem destruir, acontece exatamente o contrário.

 

Vejo que aproveitou sempre as oportunidades que iam surgindo.

Em 1958 saiu uma lei que proibia a afixação de cartazes fora dos meios urbanos. Havia na altura seis ou sete empresas de afixar cartazes em Portugal. Todas desistiram, todas tiveram medo de ir à luta, o meu pai foi o único que não. Por isso mesmo foi 93 vezes a tribunal, só perdeu a primeira vez – ele dizia isso com uma certa laracha.

 

Podemos dizer que encontrou uma argumentação junto dos tribunais que era sempre eficaz?

Ele era um homem extraordinariamente inteligente. Tinha uma visão para o negócio fantástica. Eu recordo que ele não gastava um tostão em advogados. Vinha uma coima de Faro ou de Castelo Branco, e ele estava na secretária com o Código Civil e do Trabalho, sabia tudo. Muitas vezes de manhã ele recebia uma coima ou qualquer coisa, e dizia: hoje de tarde vou ao Arcádia em Coimbra. Tinha lá uma tertúlia onde estavam professores universitários, juízes conselheiros, advogados.

 

E o seu pai aproveitava para tirar as dúvidas?

É engraçado que nós agora fazemos o mesmo, eu e os meus amigos temos uma tertúlia ali à hora de almoço onde costuma estar também o notário e os advogados, e quando estão a tentar tirar nabos da púcara eu digo: olha, vocês fazem-me lembrar o meu pai. A partir daí tornámo-nos muito grandes na afixação de cartazes do país, começámos a fazer os outdoors, que os primeiros eram feitos em madeira, e montámos uma indústria de fibra de vidro. Mas não se ia fazer uma indústria de vidro só para fazer outdoors. Então começámos a fazer barcos, depósitos e uma série de coisas, e surgiu depois a ideia de fazer a sinalização rodoviária. Não é do vosso tempo, mas ainda são capazes de encontrar nas aldeias os sinais de trânsito, que antigamente eram feitos em cimento. Eram precisos seis homens para pôr um sinal de trânsito. E o meu pai pensou que se fizesse um sinal de trânsito em fibra de vidro era muito mais leve. Agora são em alumínio e em chapa de aço. Então fez uma fábrica de vidro que se tornou a maior no país, e fizemos milhares de sinais de trânsito para todas as câmaras do país. Para a Câmara de Lisboa, em média, vendíamos entre 6.000 a 10.000 sinais de trânsito por ano. Mas depois a sinalização precisava da indústria de serigrafia, então criámos uma e fomos a primeira serigrafia nos anos 50.

 

À medida que as necessidades foram surgindo, foram criando novas empresas?

Sim. E eu era o braço direito do meu pai. Ele era assim, chegava, tinha uma ideia e eu tinha de a executar. E depois não descansava enquanto não avançasse – era teimoso, persistente, nesse aspeto eram um mem extraordinário. Depois, repare, a sinalização rodoviária exigia material refletor. Sabe o que é que ele fez? Sabe quantas fábricas no mundo havia no material refletor? Uma, a 3M Minesotta, a quem pertence a maior parte das patentes mundiais. Sem falar uma palavra de inglês, vai aos Estados Unidos tentar aprender.

Sabia que ? 


Só duas pessoas sabem a fórmula do Licor Beirão.

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“Nós não temos o dom de saber tudo. Principalmente numa empresa desta dimensão. Neste setor da bebida, se nós não estamos muito atentos, facilmente somos ultrapassados”, afirma José Redondo. E mesmo a sala onde se misturam as especiarias – ingredientes fundamentais do licor – tem um acesso muito restrito: “Só lá entram comigo. Mesmo os grandes clientes. Uma empresa só pode crescer quando tem um organigrama muito bem feito, esquematizado e definido”, assegura José Redondo.

Viu mais uma oportunidade de negócio e decidiu avançar?

E a verdade é que passado um ano nós estávamos a fabricar material refletor para os nossos outdoors que era feito aqui na fábrica. Foi quando eu inventei aquele líquido, que vocês ainda devem ver aqui na Estrada da Beira pintado “Licor Beirão” que reflete de noite. Isso é um líquido que eu inventei aos 18, 19 anos, que vendemos algumas toneladas para França e para Espanha.

 

Existiam outros mercados e foi para lá que se viraram?

Sim. Voltando ao princípio, o negócio do Licor Beirão era da minha mãe. Tinha meia dúzia de funcionárias, recebia as encomendas, preparava o licor, era ela que pesava as plantas. Depois tínhamos três ou quatro homens que faziam as caixas, que antigamente eram em madeira, e isso leva-nos a outro negócio que criámos. Tivemos a segunda maior empresa do país em brinquedos. Havia a Majora, que ainda existe, e depois havia a Susete. Nós chegámos a ter à volta de 140 itens de brinquedos. Tudo brinquedos em madeira. Porquê brinquedos em madeira? Porque tínhamos carpinteiros e marceneiros a trabalhar, mas o Licor Beirão só se vendia razoavelmente no Natal e na Páscoa e nós não podíamos ter seis funcionários parados o resto do ano, então tínhamos de lhes arranjar tarefas. Nunca nesta casa se despediu ninguém. Então foi assim que começaram a afixar outdoors, porque os primeiros outdoors eram em madeira, e surgiu essa empresa.

 

E como conciliou os estudos com a atividade na empresa?

Fiz na Lousã o Colégio até ao quinto ano, depois fui para o São Pedro e para o D. João III, entrei na Faculdade aos 18 ou 19 anos, mas só lá ia duas vezes por semana. Era Engenharia Mecânica. E porquê? A minha ideia não era obter uma formatura, o que eu queria era aprender a ler. Porque no fundo, e esse é o mal das pessoas, a universidade o que nos dá é o conhecimento e depois ao longo da vida é que nós vamos adaptando. Eu andava aqui no sétimo ano e tinha de entrar na faculdade e não sabia o que é que havia de fazer. E então naquela altura havia aqui na Lousã uma fábrica de tratores e constou que eles iam vender e em conversa nas viagens que fazia com o meu pai surgiu a ideia de comprar aquilo. E pensei: a fábrica vai precisar de um engenheiro mecânico.

 

Uma escolha pragmática, portanto.

E vou-lhe dizer que foi uma asneira terrível, porque nem sequer pensei no futuro; na altura o curso eram três anos em Coimbra e depois dois anos no Porto ou no Técnico.

 

E acabou por não ir?

Ah, de maneira nenhuma, não podia deixar a fábrica. Na altura com 21 anos já estava muito envolvido, portanto não podia ir.

 

Mas foi útil para o seu percurso frequentar a Universidade?

Não tenho dúvidas. Eu considero que a universidade nos ensina a ler. Nós até à universidade decoramos a física e a matemática, mas o verdadeiro raciocínio, aquilo que nos obriga a criar crítica, é na universidade. Por isso é que os caloiros sofrem o que sofrem porque dão um salto e o impacto é muito grande. E na minha ideia – eu era miúdo e já achava isso – interessava- me ter alguns conhecimentos, era o objetivo de me formar. Aliás, não me formei, porque fiz os preparatórios em Coimbra, queimei fitas e não acabei o curso.

 

Depois veio a tropa e teve de interromper o trabalho.

E foi um erro tremendo do meu pai. Começou a guerra em 61 e eu em 67 queimei fitas e tinha que ir para o Porto. Foi nessa altura que eu decidi: se tenho de ir para o Porto então vou para a tropa. E assim foi. Fui para Mafra e aí cometi uma gaffe dos diabos, porque na tropa nem se pode ser bom cavalo nem bom cavaleiro. E quando vou para a tropa, no curso de oficiais milicianos em Mafra fui o segundo melhor em 800.

 

Não foi nada discreto, como estava a defender.

A partir daí tive de escolher ser sapador ou oficial atirador ou polícia militar. Então fui para o Ultramar já com 17 ou 18 meses aqui em Portugal, fiz tropa em Tancos, depois fui para Caldas da Rainha, depois fui para Bragança, depois Chaves e pedi a Fernanda em namoro 12 dias antes de ir para o Ultramar. Porque achava que ia e quando voltasse já estava tudo casado. E sabe há quantos anos é que eu andava atrás dela? Há mais de quatro!

 

Como foi esse tempo, em que se inteirou dos negócios à distância?

O meu pai e eu tínhamos uma relação de irmãos fortíssima, o meu pai mandou-me para o Ultramar mais de 800 cartas. Aquilo que agora vocês todos fazem no Facebook, ele tinha na máquina de escrever uma carta e de quarto em quarto de hora ia escrevendo o que se passava: olha o Armando está a fazer umas caixas; Olha a tua mãe anda ali anda a fazer não sei o quê; escrevia tudo, tudo, e escreveu-me cartas maravilhosas. Já me pediram para as publicar, por acaso um dia devia fazer isso. São dois montes de cartas onde está tudo discriminado, tudo o que se fazia nesta casa ele transmitia- me.

 

Quando regressou como é que encontrou a empresa?

Nessa altura a nossa principal atividade era a fibra de vidro, a sinalização rodoviária e os depósitos. Quando regressei vinha um bocado traumatizado, e não engrenei com o meu pai. Ele tinha as ideias dele, eu com aquela idade, 28 anos, já tinha as minhas. Por outro lado, aconteceu o seguinte. Eu joguei rugby na Académica 10 anos e andava a tentar durante dois anos lançar o rugby na Lousã e não conseguia nada, nunca ninguém tinha visto uma bola de rugby. Sabe o que é que eu fiz? Fui um ano dar aulas para o ciclo preparatório, a minha primeira aula foi no dia 5 de outubro de 73 em que mostrei o que era uma bola de rugby. E foi um desporto que foi crescendo.

 

Mas estava a dizer que quando voltou tinha ideias diferentes do seu pai…

Quando cheguei virei-me para o meu pai e disse o seguinte: eu vou dar aulas para uma escola, arranjei um horário de 16 horas, e continuo aqui na fábrica, só que eu não quero um tostão da fábrica. Mas eu já fazia muita falta na fábrica e o meu pai insistiu até eu aceder.

 

Como reagiram às mudanças do mercado ao longo dos anos?

Nos anos 80 começaram a aparecer nas grandes superfícies, e começámos a trabalhar com a Macieira, uma multinacional na altura. O Licor Beirão começa a crescer, e o meu pai foi deixando as outras empresas, que eram bastante rentáveis.

 

Atualmente qual é a implantação da marca Licor Beirão?

Atualmente estamos em 40 países. Temos muito sucesso em países como o Luxemburgo, nos países onde estão portugueses – o chamado mercado da saudade. Mas também estamos na ásia e em vários locais. São mercados dificílimos.

 

E agora sobre o Politécnico de Coimbra. Que contributo entende poder dar enquanto Conselheiro Externo?

Assistir às reuniões do Conselho Geral tem-me permitido conhecer melhor a instituição. Entendo que o meu contributo pode ser no marketing e na promoção do Politécnico, com a minha experiência. O esforço feito nos últimos anos de valorização da marca Politécnico tem sido bem conseguido e é fundamental. No Licor Beirão durante 70 anos nunca descurámos a marca e isso tem sido a nossa mais-valia. O aumento de alunos e a estratégia de captação no Brasil são alguns pontos fortes que realço.

 

Para terminar, quais os hobbies e paixões a que se dedica?

80 a 90% do meu tempo livre passo com o rugby e a família. Temos uma relação fabulosa. Criámos um verdadeiro clã! Mas também tenho outros negócios: comprei a Adega Cooperativa de Portalegre, estou a construir um hotel grande no Largo do Rato em Lisboa, e depois tenho uma empresa de licores em Condeixa.